Empresas adotam escuta ativa e planejam políticas internas para prevenir doenças emocionais dos trabalhadores; nova norma prevê multa por riscos psicossociais
No Brasil o número de empregados afastados por ansiedade e depressão em 2024 foi o mais alto dos últimos dez anos e 68% maior que em 2023, com 472.328 licenças médicas concedidas, segundo o Ministério da Previdência Social.
É possível que metas inatingíveis, assédio e sobrecarga somados ou não a questões familiares, pessoais e predisposição genética se somem no processo de adoecimento.
As causas são diversas e devem ser avaliadas individualmente, no entanto, como as pessoas passam grande parte do tempo no ambiente de trabalho, é fundamental que as empresas adotem estratégias para proteger a saúde mental dos colaboradores.
Na gerência de Recursos Humanos do MBS Group, Silvia Letícia Simões cuida de estratégias de preservação da saúde e segurança de 70 colaboradores. A empresa oferece ginástica laboral semanalmente, jornadas flexíveis de acordo com a função, benefícios assistenciais, como plano de saúde e odontológico, convênios com academias e farmácias e folga no dia do aniversário. Há ainda canal aberto junto à Gestão de Pessoas para suporte psicológico quando solicitado.
Agora, a empresa passa por adequações conforme a atualização da Norma Regulamentadora nº 1, a NR-1, que estabelece diretrizes gerais sobre Segurança e Saúde no Trabalho (SST), incluindo riscos psicossociais. “Temos implantado o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) contando com assessoria técnica. Periodicamente, nosso inventário é revisado e procuramos cumprir as ações exigidas pela norma de acordo com a realidade de cada negócio do grupo. Essa questão tem sido tratada com prioridade, pois entendemos a importância de um ambiente saudável para que a empresa tenha bons resultados e produtividade”, diz Silvia.
A gestora conta que a assessoria oferece um software que assegura o controle. “Sai caro quando a empresa não tem um programa interno e passa a sofrer consequências com absenteísmo, excessos de atestados médicos, afastamentos e processos trabalhistas, justamente pela falta de acompanhando da saúde e do bem-estar dos colaboradores.”
Além de cumprir uma obrigação legal, Silvia acredita que ao aplicar medidas para um ambiente saudável, a empresa fortalece a marca e oferece cultura positiva. Ela destaca que fazem parte da cultura organizacional práticas que reforçam um relacionamento franco com os colaboradores, como escuta atenta, aceite de sugestões e acolhimento. “Tivemos trabalhador que apresentou queda na produtividade por uma situação pessoal que impactou na concentração. Quando identificamos casos assim, convidamos o colaborador para conversar e entender. Dependendo do caso, oferecemos inclusive home office, a fim de favorecer a recuperação”, conta.
Política interna
Psicóloga e professora, Sonia Rossi, que é gerente de Desenvolvimento Humano e Organizacional na Coroaves, ressalta a necessidade do cuidado com o principal fator de sustentabilidade de um negócio, que são as pessoas. Ela trabalha com cerca de 2,2 mil colaboradores, mas independentemente do tamanho da empresa, os pontos de atenção são os mesmos: é preciso alinhar os objetivos da corporação ao das pessoas, porque produtividade e saúde mental devem andar juntas. A Coroaves conta com política interna de gestão que contempla o equilíbrio nas relações de trabalho com base em diretrizes estratégicas, preservando o respeito mútuo, trabalho em time, inovação e aprendizado contínuo.
Com a NR-1, a organização ampliará as práticas de escutar as equipes. Para tanto, estão em implantação ouvidoria interna, capacitação das lideranças, profissionalização e gestão mais analítica. “A NR 1 não pode ser vista como uma ameaça, mas como uma oportunidade de diagnóstico da realidade da corporação em diversos aspectos da gestão, que vão do planejamento de produção às relações humanas. É a formalização de algo que muitas empresas já vêm fazendo e que outras ainda precisam fazer: cuidar da convergência dos objetivos empresariais e individuais”, comenta.
Ela entende que a sociedade não pode deixar de ter atenção aos processos que adoecem as pessoas, pois o trabalho tem que ser preventivo. “Não há como tratar todas as pessoas afastadas por doenças de saúde mental. Por isso, a NR-1 vem em um bom momento da era do conhecimento. As pessoas, de maneira geral, estão mais suscetíveis a fobias, depressão e ansiedade, o que pode impactar a relação de trabalho, mas precisamos ver como as corporações participam desse processo. No nosso caso, o trabalho começa com a definição da Política de Gestão de Pessoas, onde explicitamos como realizamos todos os processos desde o recrutamento, passando por treinamentos na admissão, acolhimento e planejamentos das ações internas.”
Para Sonia, com o objetivo de promover bem-estar, é preciso trabalhar a comunicação interna, formar equipes multidisciplinares, realizar feedback contínuo, empreender cultura de confiança e segurança psicológica como base da cultura interna. “As ferramentas serão sempre escuta, diálogo, bons métodos de trabalho, liderança e atenção, principalmente, sobre os pontos conflitantes, bem como pesquisas para tomada de decisões assertivas”.
NR-1
A NR-1 passou por atualização significativa em agosto de 2024, com a publicação da Portaria MTE nº 1.419/2024. Pela primeira vez, foram incluídos explicitamente os riscos psicossociais no escopo do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). A norma entrou em vigor em maio deste ano, sendo que as penalidades poderão ser aplicadas a partir de maio de 2026.
Com isso, o Ministério do Trabalho passará a fiscalizar questões como metas excessivas, ausência de suporte, conflitos interpessoais, jornadas extensas e condições precárias. A proposta é reduzir a contribuição do ambiente de trabalho para o adoecimento mental e prevenir doenças ocupacionais.
Assim como são ofertados Equipamento de Segurança (EPI) e treinamentos para evitar riscos físicos, medidas devem ser tomadas para evitar que trabalhadores desenvolvam ansiedade, depressão ou burnout (distúrbio caracterizado por exaustão emocional, esgotamento físico e mental ligado ao trabalho) por causa da atividade laboral.
Adequação
Segundo o ergonomista George Coelho, da Medivo Saúde Ocupacional, o papel da norma é integrar e tornar mais efetiva a aplicação das demais regulamentações de segurança e saúde no trabalho. O texto exige inventário de riscos psicossociais e o plano de ação atualizado, capacitação dos trabalhadores com metodologia adequada, integração com o e-Social e registros digitalizados. “A NR-1 é conhecida como a mãe de todas as normas regulamentadoras de saúde e segurança do Ministério do Trabalho, sendo 36 vigentes”, observa.
“O PGR tem um escopo mais amplo que a norma anterior que focava em riscos ambientais, abrangendo todos os riscos ocupacionais, inclusive ergonômicos e mecânicos. Deve ser contextualizado por atividade”, comenta George.
Dentre os desafios que as empresas enfrentam na implementação da NR-1, Coelho tem notado desconhecimento técnico sobre o tema, resistência a mudanças de cultura, dificuldade de gestão documental e de registros de evidências, integração com o e-Social de forma correta e treinamentos com metodologia e registro.
Alguns clientes de Coelho estão em processo de adequação, inclusive já finalizaram a avaliação dos riscos psicossociais. “Desenvolvemos uma plataforma de pesquisa para a avaliação dos fatores de riscos, que é o meio por onde os trabalhadores recebem um link de questionários validados cientificamente e aceitos pelo Ministério do Trabalho para que possam fazer avaliação. Estamos em um processo grande, com mais de 15 mil respondentes.”
RH no centro
Ariele Anthero Matos, da Exponencial RH, ressalta que implicará erro tratar a NR-1 de forma isolada, sem considerar sua relação com outras normas, como a NR-5 (Cipa), NR-7 (PCMSO), NR-9 (PPRA) e NR-17 (ergonomia). “O setor de RH passa a ter papel ativo na identificação de riscos ocupacionais, na condução de treinamentos obrigatórios e apoio na implementação do PGR. O RH também precisa alinhar a cultura organizacional às exigências da NR-1, promovendo ambientes mais seguros e saudáveis.”
Sobre a elaboração e monitoramento do PGR, Ariele exemplifica que podem ser levantados dados sobre atestados recebidos, turnover, absenteísmo, além de trabalhar com a equipe de segurança do trabalho na elaboração do inventário de riscos, que pode apontar para riscos como estresse e falta de apoio.
O RH deve mapear as necessidades de cada setor e ter cronogramas de campanhas internas, treinamentos de integração, atualização e na mudança de função. “A estratégia deve estar em transformar o PGR em cultura e prática, não apenas em documento”, afirma.
O ideal, segundo ela, é usar ferramentas acessíveis, manter cronogramas atualizados e digitalizar os registros para garantir o cumprimento da norma. Por isso, ela recomenda a contratação de consultorias ou profissionais especializados para fazer o diagnóstico e implantação do PGR.