“Um episódio recente entre duas colaboradoras nos mostrou que a inteligência emocional na gestão não é evitar o conflito, mas conduzir com escuta, cuidado e responsabilidade. A situação envolveu choro e mágoa entre colegas de trabalho, um impasse que foi resolvido com acolhimento”. Quem relata o episódio é a psiquiatra e diretora de Recursos Humanos da Essentia Saúde Mental e Educação, Giovana Jorge Garcia.
O relato revela que o cuidado na empresa, há 11 anos no mercado, também está atrás do balcão. A Essentia atua no atendimento de saúde mental, oferecendo serviços de psiquiatria, psicoterapia, terapia ocupacional, neuropsicologia, arteterapia e psicopedagogia. A estrutura cresceu de duas salas, no início, para 20, além de um auditório para formações. “No contexto do negócio, a inteligência emocional sustenta nossos vínculos”, afirma.
São 15 colaboradoras, além de quase 30 profissionais especializados na assistência clínica. “É necessário mais que processos bem definidos. Tem que haver equilíbrio entre escuta e direção. Como gestora, é essencial estar disponível para acolher demandas emocionais e promover um ambiente seguro para uma pluralidade de perfis. Também é preciso manter clareza nos papéis, posicionamento estratégico, limites e objetivos. Nem sempre é simples conciliar cuidado e estrutura”, reconhece.
Além de investir em técnicas como escuta empática, pausas antes de decisões difíceis e comunicação clara e respeitosa, a diretora abre espaços de conversa com a equipe, estimula a autorresponsabilidade e busca cultivar uma presença genuína. “Acreditamos que esta não é uma habilidade restrita à gestão, mas uma competência que pode ser cultivada por todos. A equipe entende que a empresa deseja fazer da experiência de cada um, pacientes, colaboradores e parceiros, a melhor possível”, reforça.
Fidelização
Na Dom Corretora de Seguros, lidar com emoções difíceis não é exceção. A empresa atua com pessoas que vivem momentos de tensão, insegurança e vulnerabilidade ao enfrentarem perdas, acidentes e doenças. “Nossa equipe precisa estar preparada para lidar com empatia, paciência e respeito”, diz a gestora de integração, Amanda Carolina Teixeira.
Com uma trajetória de 30 anos, a empresa conta com 21 colaboradores, equipe que Amanda busca engajar no propósito de “oferecer um atendimento consultivo e humanizado, acompanhando o cliente desde o primeiro contato ao desfecho de sinistros e assistências”.
Em situações de crise ou frustração, os colaboradores procuram validar o sentimento do cliente. Amanda cita exemplos de frases utilizadas intencionalmente para gerar conexão e acolhimento: “entendemos como não gostaria que essa situação tivesse acontecido contigo”; “estamos com você”; “estamos acompanhando o seu processo de perto”; “entendemos como você está se sentindo. Não deve estar sendo fácil, porém esse tipo de situação acontece, mas estamos aqui para te ajudar a resolver”.
Ela explica que a equipe é orientada a manter um tom de voz otimista e respeitoso mesmo diante da impaciência ou nervosismo de alguns clientes. A ideia é transformar situações difíceis em oportunidades de fidelização, mostrando que, mais do que vender seguros, a empresa está presente para amparar. “A confiança é a alma do nosso negócio. Tudo é pensado para que a proteção seja acompanhada de uma experiência humana, sensível e comprometida”, frisa.
Para Amanda, o conceito de inteligência emocional passa pela capacidade de lidar com emoções e desafios cotidianos sem se deixar dominar. Individualmente, ela diz encontrar força na espiritualidade e compartilha que a oração diária sustenta sua serenidade nas adversidades. “Sou católica e encaro tudo como providência de Deus, buscando aprender com cada desafio”, explica. Ela acrescenta que além de procurar inspiração em passagens bíblicas, recorre ao uso de diários para organizar os pensamentos e reavaliar a dimensão de problemas.
Para que o coletivo esteja preparado, a corretora realiza treinamentos mensais com temas que envolvem autoconhecimento, identificação de temperamentos, crenças limitantes e visualizações positivas. Cada colaborador é incentivado a escrever sonhos e metas pessoais e acompanhar a própria evolução. Outro recurso são as reuniões semanais “one on one” com a equipe de vendas. Nesses encontros, além do acompanhamento de resultados, há escuta livre de julgamentos, em que os profissionais podem compartilhar dificuldades e construir estratégias para alcançar seus objetivos. Os feedbacks também seguem a linha da confiança, em que a empresa aposta em abordagens com foco no crescimento.
Lideranças
A inteligência emocional, quando presente na liderança, gera impactos profundos: melhor clima organizacional, equipes mais engajadas e resultados sustentáveis. É o que defende a psicóloga e consultora Cibele Santos, que acredita que a pandemia contribuiu para ampliar a discussão sobre o assunto. “Muitas pessoas enfrentaram situações de vulnerabilidade emocional e perceberam que lidar com sentimentos como medo, ansiedade e frustração é fundamental para manter a saúde mental e as relações profissionais equilibradas.”
Na avaliação dela, a cultura organizacional reflete o comportamento das lideranças. Por isso, líderes emocionalmente maduros criam ambientes seguros e colaborativos, favorecendo bem-estar e produtividade. “Um líder que se comunica de forma empática, o que se reflete em ações, que escuta, dá feedbacks construtivos e sabe gerenciar conflitos, contribui para uma cultura mais saudável.”
Equipes lideradas por pessoas com inteligência emocional tendem a apresentar comprometimento, cooperação e menor rotatividade. “As pessoas se sentem valorizadas, pertencentes, e isso gera motivação. Quando o ambiente é respeitoso e seguro emocionalmente, o colaborador se sente à vontade para contribuir com ideias, assumir responsabilidades e crescer com a empresa”, ressalta. Por outro lado, a ausência dessa competência pode gerar desmotivação, insegurança, conflitos recorrentes, adoecimento e até impactos negativos na imagem da empresa.
A inteligência emocional, no entanto, não precisa ser vista com apreensão, já que pode ser desenvolvida. Segundo Cibele, programas de capacitação, processos de coaching, rodas de conversa e acompanhamento psicológico são ferramentas eficazes. “O autocontrole emocional é indispensável. A empatia ativa torna-se fundamental para estabelecer conexões. A resiliência sustenta o foco e a energia. Já a flexibilidade cognitiva permite que o líder abandone rigidez e abrace novas abordagens. Por fim, a comunicação não violenta se mostra essencial para resolver problemas e preservar a integridade das relações.”
Confiança
A gestora de Recursos Humanos na RHF Talentos, Adriana Luzivotto, também vê como fundamental o uso das emoções de forma inteligente pelas lideranças. “Se não houver escuta atenta e sensibilidade para compreender cada indivíduo como parte de um processo, não será possível alcançar o resultado desejado”, destaca.
Ela diz que valores institucionais são importantes, mas só funcionam quando são vividos pelas lideranças e transmitidos a todos os níveis da organização. “Como alertava Daniel Goleman [referência no tema], a inteligência emocional é a capacidade de lidar com as emoções, próprias e dos outros, que permite ao líder cultivar ambientes de confiança, segurança psicológica e engajamento duradouro. Isso implica não apenas comunicar com clareza, mas compreender o propósito coletivo e mobilizar pessoas de diferentes perfis e histórias para trabalhar por objetivos comuns.”
Segundo Adriana, quando os colaboradores se sentem reconhecidos em suas singularidades, o ambiente se torna mais inclusivo, inovador e colaborativo. “Quando as pessoas se percebem valorizadas, sentem-se mais à vontade para expressar ideias, assumir desafios, inovar e contribuir. E é desse ambiente que nasce o engajamento sustentável”, afirma.
Adriana relata sua experiência como business partner de RH fora do Brasil, onde acompanhou equipes com estilos de liderança distintos. De acordo com ela, o impacto da atuação emocionalmente desequilibrada era imediato: aumento de conflitos, queda na colaboração, dificuldade de contratar, falta de clareza nos papéis e alto índice de rotatividade. Ela observa que em equipes bem conduzidas, os feedbacks eram estruturados, a comunicação alinhada aos valores da empresa e a empatia fortalecia os laços entre líderes e liderados. “A habilidade emocional precisa estar presente desde os processos seletivos, passando pelo mapeamento de competências e programas de capacitação. Essa responsabilidade deve ser compartilhada entre profissionais de RH, líderes comprometidos com a gestão de pessoas e aqueles que têm no autodesenvolvimento um propósito de vida e de carreira”, enfatiza.