Cliente oculto, a visão que transforma a experiência de compra

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Técnica revela falhas invisíveis aos olhos do lojista e oferece insights para melhorar atendimento, visual e até clima na equipe

Em tempos em que a experiência do consumidor é fator decisivo para a fidelização e o sucesso das marcas, conhecer profundamente a jornada de quem entra em uma loja é essencial. Mais do que atender bem, é preciso entender o que encanta, o que incomoda e o que afasta. É aí que entra o papel do cliente oculto. A metodologia consiste na visita de um especialista treinado, que age como um consumidor comum para avaliar, de forma imparcial, todos os aspectos da experiência de compra.

De acordo com a consultora Erica Sanches, do Sebrae Paraná, a aplicação do cliente oculto vai além de uma simples inspeção. “É uma metodologia de pesquisa que permite analisar atendimento, ambiente, eficiência de processos, comunicação, apresentação dos produtos e outros pontos da jornada do cliente de maneira objetiva”, afirma. Ela explica que, ao simular situações reais, o avaliador consegue detectar falhas que o gestor, por estar envolvido na operação, muitas vezes deixa passar despercebidas.

Essa imersão silenciosa permite um diagnóstico da operação, com foco tanto na postura dos funcionários quanto na estrutura física e visual da loja. Os dados levantados oferecem insumos valiosos para decisões estratégicas. A partir da análise dos relatórios dessas visitas é possível identificar erros recorrentes, como desatenção da equipe, informações incorretas sobre produtos, demora no atendimento e até problemas como sujeira ou má organização do espaço.

Experiência transformadora

Foi justamente o desejo de enxergar a loja com os olhos do cliente que levou a empresária Mariza Rezende, da rede de brechós Dig for Fashion, a adotar a prática. A primeira vez foi em 2021, após uma pesquisa de clima organizacional indicar insatisfação pontual entre colaboradores e sugerir o uso do cliente oculto como uma solução. “Na época, eu tinha cinco lojas em cidades diferentes e a gestão à distância estava começando a apresentar desafios. Essa abordagem foi uma forma de monitorar com precisão e autonomia, sem precisar estar presencialmente em cada unidade”, conta.

A Dig for Fashion, que nasceu em 2015 como um bazar de garagem no Jardim Oásis, em Maringá, tem 17 pontos de venda em quatro estados. Com a expansão, a padronização e a manutenção da qualidade do atendimento se tornaram mais urgentes. Hoje uma empresa especializada em cliente oculto realiza três visitas mensais em cada loja. O método, segundo Mariza, passou a ser um aliado não só para detectar falhas, mas para valorizar boas práticas.

“O cliente oculto acompanha toda a trajetória: desde a abordagem inicial ao fechamento da compra no caixa. Ele observa se o vendedor ofereceu ajuda, se explicou o nosso modelo de negócio, se sugeriu uma bag ou promoção. E tudo isso é registrado em um relatório detalhado”, explica. Mais do que uma ferramenta de controle, o cliente oculto virou parte da cultura da empresa. “Não usamos como punição. Pelo contrário, quem recebe nota 100% no atendimento ganha bônus. Virou uma motivação”, revela.

O método também tem impulsionado mudanças físicas e estratégicas nas lojas. Foi por sugestão de um cliente oculto que a empresa passou a identificar a numeração dos calçados com adesivos. Em outro caso, um feedback sobre a iluminação do provador levou à mudança das luzes. Também houve reposicionamento de produtos e ajustes no layout para melhorar o fluxo de circulação e a experiência visual.

Esse tipo de insight, vindo da vivência de um “cliente real”, é valioso não só para grandes redes, mas para pequenos lojistas. Muitas vezes ações simples como reorganizar a disposição dos produtos, revisar a trilha sonora ou garantir que a loja esteja livre de odores desagradáveis fazem a diferença na percepção de quem entra no espaço. “Já tivemos relato de cliente oculto que ouviu funcionário comentando sobre a balada da noite anterior. Isso mostra como cada detalhe conta. O cliente percebe tudo, mesmo o que parece banal”, comenta.

Além do básico

A empresária Maíra de Ângelis Garcia Rosa, da Madê Modas, acredita no potencial do método como ferramenta para elevar a qualidade do atendimento. Embora não tenha implantado formalmente o projeto, ela revela que recebeu visitas de profissionais especializados, o que aguçou o interesse pela técnica. “Quero montar isso com apoio do Acim, mas com base nas nossas prioridades de atendimento. Acredito que funciona bem para ajustes finos: entonação de voz e atenção aos detalhes. Atender bem é obrigação, e o cliente oculto serve para ir além do básico e corrigir sutilezas que fazem diferença na experiência do cliente”, explica.

Com olhar atento ao acolhimento e à experiência de compra, Maíra compartilha dicas práticas para lojistas que desejam criar ambientes aconchegantes mesmo com orçamento reduzido. Ela lembra o início modesto da trajetória, quando era ‘sacoleira’ e personalizava embalagens simples com desenhos e mensagens afetivas. “Desde o começo, o capricho nos detalhes fez diferença. Uma frase no espelho, a oferta de uma bala, um gesto de cuidado como oferecer um cantinho para o cliente deixar o capacete ou as sacolas, tudo isso mostra zelo. Não custa caro, mas transforma a percepção”, ressalta.

Mais do que atendimento

No aspecto da ambientação, por exemplo, o instrutor de Excelência no Atendimento ao Cliente da Acim, Eron Willemann, destaca o papel do visual merchandising (VM) como um dos pontos mais observados pelo cliente oculto. Desde a vitrine à disposição dos produtos nas araras, tudo influencia o desejo de compra. A iluminação deve valorizar as peças, a sinalização precisa ser clara e a circulação, fluida. Uma boa experiência começa nos olhos e qualquer ruído visual pode comprometer o encantamento. “Com ações simples e eficazes, um pequeno lojista pode melhorar a percepção da loja e aumentar a satisfação do cliente, mesmo com baixo investimento”, pontua.

A proprietária da Madê Modas dá atenção à vitrine. “Sou a chata da vitrine”, brinca. Para ela, a apresentação precisa ser impecável: roupas passadas, com acessórios, preços visíveis e combinações harmônicas. Além da estética, a empresária investe em vitrines temáticas e interativas, como no Dia das Mães em que convidou as clientes a completar a frase “Sou mãe e é claro que…”, transformando as respostas em parte da decoração. “A vitrine precisa dialogar com o público. Às vezes filmamos os bastidores da montagem para mostrar esse carinho e engajamento”, conta.

Outro aspecto que costuma ser negligenciado é o olfato. “Cheiro certo pode criar uma atmosfera memorável, marcante, reforçando a identidade da loja. No entanto, exageros ou aromas intensos causam o efeito contrário, tornando o ambiente enjoativo”, explica Willemann.

A trilha sonora também exige atenção. Uma música alta demais ou fora do perfil do público-alvo pode gerar desconforto. O ideal é que o som seja agradável, esteja em volume adequado e combine com a proposta da marca. “Uma música eletrônica numa loja que vende roupas para senhoras, por exemplo, mostra que o empresário não conhece seu público e espanta o cliente. Também é preciso cuidado com o volume da música, afinal, é música ambiente, e não uma festa”, acrescenta o instrutor.

Para quem deseja implantar a prática, o primeiro passo é definir o que será avaliado: atendimento, ambiente, apresentação dos produtos, agilidade nos processos ou todos os itens. É possível contratar empresas especializadas ou treinar alguém da equipe, desde que tenha imparcialidade e mantenha o sigilo da ação. Depois, é importante criar um plano de melhorias com base nos dados coletados, estabelecer metas e, principalmente, manter a equipe envolvida e motivada.

“O segredo é transformar o cliente oculto em um aliado, e não em um espião. Quando o time entende que aquilo serve para crescer, os resultados aparecem”, afirma a dona da Dig for Fashion. A rede, por exemplo, já superou a marca de 90% de aprovação nas avaliações, um índice excelente no segmento de moda no varejo físico.

Entender como o cliente se sente dentro da loja pode ser o diferencial entre fidelizar ou perder vendas. A técnica do cliente oculto revela justamente aquilo que nem sempre é dito: a percepção genuína do consumidor sobre a marca, o espaço e o atendimento. E, com essa escuta ativa e silenciosa, é possível transformar a experiência de consumo.

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